Villes flottantes

Entrevista com Antônia, pescadora e mãe de cinco filhos

Antônia é pescadora e mãe de cinco filhos. Ela vive ao ritmo do rio desde sempre. Vinda de uma família de pescadores, ela afirmou muito cedo que não queria trabalhar no campo, preferindo a pesca e a colheita de cocos. «Desde a minha infância, nunca gostei da agricultura. Os meus pais não nos levavam para o campo. Nós partíamos cocos e pescávamos.» Depois de casar, foi o marido que escolheu a agricultura. Ela, naturalmente, continuou na pesca. Hoje, essa atividade é transmitida aos seus filhos, sem distinção de género: «Toda a minha família é pescadora, homens e mulheres.»

Apesar de problemas recentes de saúde, ela continua a pescar sempre que o seu estado o permite: «Graças a Deus. Hoje, acordei até me sentindo melhor.»

Uma prática diversificada e resiliente

Questionada sobre as suas técnicas de pesca, Antônia explica que usa diferentes ferramentas de acordo com as condições do rio e as espécies alvo: «Eu pesco com linha, com um choque — com a mão —, pegando o peixe… com tudo. De todas as maneiras possíveis. Não morro de fome.»

O «choque» a que se refere é uma técnica artesanal que consiste em apanhar os peixes com as mãos na lama, localizando-os pelo toque. Ela maneja tão bem as redes como a linha, exceto a flecha, que não pratica.

Mudanças ecológicas e impactos na pesca

Ao longo dos anos, Antônia testemunhou mudanças notáveis no meio ambiente. Ela menciona o escoamento das zonas de pesca tradicionais, em particular os lagos temporários: «O lugar onde pescávamos aqui está quase totalmente seco hoje. Não há mais onde pescar.»

A origem destas mudanças? A seca prolongada: «Por causa do verão, que é muito longo, tudo seca.» Ela confirma que agora só o rio continua navegável.

Quanto ao estado da água, ela menciona episódios pontuais de poluição relacionados com práticas agrícolas a montante: «Esta água em que eles colocam veneno… é má para a água, é má para nós. Já nem sequer bebemos a água do rio.» Hoje, a água potável provém de uma cisterna que é enchida na estação das chuvas.

Ela precisa que, embora essa poluição ainda não tenha causado mortalidade em massa de peixes, outro fenómeno natural causa danos reais: a decomposição orgânica dos solos lavados pelas primeiras chuvas: «Em dezembro, começa a chover e a água dos campos apodrece tudo. (…) No rio, sente-se realmente o cheiro de um dique velho e podre. Depois, muitos peixes morrem.»

Este fenómeno, conhecido cientificamente como eutrofização, é reconhecido localmente como «balceiro» — uma mistura de águas estagnadas e matéria orgânica em decomposição. «É o que chamamos de água podre. (…) A água do rio fica lamacenta e os peixes morrem, como se estivessem bêbados.»

Antônia, no entanto, distingue esse fenómeno natural da poluição proveniente dos arrozais: «São duas coisas diferentes. É o transporte de matéria orgânica e o excesso no rio.»

Uma pesca regulamentada, mas frágil

Como todos os pescadores locais, Antônia está sujeita ao período de proibição da pesca, relacionado à reprodução dos peixes: «Começa em 20 de dezembro e vai até 20 de março. (…) Se não respeitarmos a proibição, a licença é suspensa e temos de pagar uma multa.» Durante esse período, ela sobrevive com a sua pensão.

Luzes no rio: histórias, fé e transmissão

Antônia não demora a mencionar uma aparição misteriosa, ocorrida durante uma noite de pesca. «Eu a vi no rio enquanto pescava à noite. Uma luz apareceu em um pau. Não tive medo, porque pensei que fosse uma lâmpada. Ela cresceu, ficou vermelha, vermelha, vermelha.» Ela conta que observou essa luz por um longo tempo antes de decidir ir embora, sem realmente se assustar. Eu vi, mas não prestei atenção.»

Apegada à sua prática, ela se recusa a deixar que esse tipo de evento sobrenatural a impeça de sair para pescar: «Não tenho medo. Gosto muito de pescar. (…). Não importa se a lua está bonita ou não, só uma coisa importa: a pesca.»

Quando questionada se outras pessoas testemunharam aparições estranhas, Antônia confirma: «Outras pessoas também viram. Algumas viram a margem em chamas, dentro da água.» Ela também relata o testemunho de um homem, Antônio Pedro, cujo filho teria visto um aningal, termo que designa áreas de vegetação aquática densa, em chamas no rio.

Para Antônia, esses fenômenos não causam medo nem interpretação mística: “Sou uma pessoa que tem muita fé. Se vejo algo, quero ver até o fim para entender o que é. (…) Às vezes, ouvimos um barulho, achamos que é um rosto ou outra coisa, mas muitas vezes são apenas animais. Eu gosto de ver para acreditar.»

Oração pelo rio

Quando questionada sobre o que deseja para o futuro do rio e da pesca, Antônia expressa uma profunda preocupação: “A única coisa que penso é que vamos perder este rio, que ele vai secar. Rezo muito a Deus para que isso não aconteça, porque é aqui que encontramos o nosso pão de cada dia”. »

Ela constata uma queda alarmante nas precipitações: «Há quase seis meses que ninguém sabe o que é uma gota de água… Só há sol.» Segundo ela, até as chuvas finas sazonais são raras: «Há três meses, houve uma garoa. Foi tudo. Não houve mais nenhuma desde então.»

Ela alerta para as consequências dramáticas que o desaparecimento do rio pode ter para as comunidades ribeirinhas: «Se um rio como este secar, vai matar tudo. (…) É a nossa sobrevivência que está em jogo. Se não houver mais rio, estamos perdidos.»

Transmissão e gratidão

Questionada sobre o futuro da pesca na sua família, Antônia garante que a tradição continuará com os seus filhos e netos.

Ao evocar o seu papel de chefe de família, ela relembra as dificuldades que atravessou com dignidade: «Criei o meu filho lutando muitas vezes com o meu companheiro. (…) Quando ele ia para o campo, eu ficava em casa, partia cocos e pescava. »

Ela evoca os seus dias bem preenchidos, acordando de madrugada, organizando as tarefas domésticas, as refeições, os banhos das crianças e, apesar de tudo, encontrando tempo para pescar de manhã e à noite. A educação dos filhos deu frutos: alguns continuaram os estudos, um deles até se tornou médico.

Desde a morte do marido, em outubro, ela continua a assumir sozinha o sustento da família, mas demonstra uma profunda gratidão: «Graças a Deus, Nossa Senhora, eles sempre me obedeceram. (…) Estou feliz com o que Deus me deu.»


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