Villes flottantes

Entrevista com Beth, professora de educação física

Em Curral da Igreja, no coração do município de Arari (Maranhão), Beth é uma memória viva do compromisso comunitário com o acesso à água. Professora de educação física e presidente do comitê de gestão do programa «Água para Todos», ela relembra a implantação de uma rede de cisternas e a relação íntima que os moradores mantêm com o rio Mearim.

Uma ação comunitária em prol da água

«Nasci aqui, em Curral da Igreja, e continuo a viver aqui. Paralelamente à minha atividade de professora, sou presidente do comité de gestão do programa Água para Todos. »

Este programa, de importância vital para os habitantes da região, permitiu a instalação de cisternas de recuperação de água da chuva com capacidade para 16 000 litros. Estes dispositivos mudaram a vida numa região onde o acesso à água potável é escasso ou mesmo inexistente. A água recolhida é utilizada tanto para consumo como para higiene diária.

« Sempre tivemos um carinho especial por estas cisternas, pois representam um recurso vital. »

Inicialmente, o comité era composto por dezoito membros voluntários. Hoje, apenas três pessoas continuam esta missão — um sinal, segundo o professor, das dificuldades inerentes ao compromisso social sem contrapartida financeira.

Uma mobilização sem recuperação política

O projeto inicial previa a instalação de 370 cisternas. Graças a uma gestão rigorosa e à mobilização local, acabaram por ser criadas mais de 1100 unidades em 74 comunidades da região.

«Tudo começou com uma reunião de informação e inscrição. É essencial salientar que nenhum ator político, local ou regional, esteve envolvido. Esta escolha deliberada visava garantir uma implementação neutra e equitativa.»

O financiamento do projeto provém do governo federal brasileiro, no âmbito de um programa destinado às zonas semiáridas.

Embora o Maranhão não seja classificado como tal, alguns dos seus municípios — incluindo Arari — foram incluídos neste dispositivo, provavelmente graças a diagnósticos locais e decisões políticas tomadas a nível nacional. «A iniciativa foi uma bênção para nós. Decorreu sem a intervenção dos eleitos locais, a fim de evitar qualquer aproveitamento político com a aproximação das eleições.

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O rio Mearim, entre memória e transformações

Questionado sobre o rio Mearim, Beth dá um testemunho sensível, misturando memórias de infância e observações contemporâneas.

« O fenómeno da pororoca (fenómeno natural produzido pelo confronto das águas do rio com as do oceano) sempre existiu aqui. Ocorre a cada lua cheia ou lua nova, quando a maré alta sobe pelo rio. Antigamente, o rio era mais estreito e mais profundo, e a força das ondas provocava a erosão das margens, levando árvores e terra.»

Essas terras deslocadas vão enchendo aos poucos o leito do rio, o que acentua o assoreamento e altera o comportamento das marés. Essas mudanças têm um impacto direto nas condições de vida locais.

«Para beber água, era preciso ficar atento à subida das águas. Assim que a maré subia, corríamos para encher bidões ou baldes antes que a água ficasse muito salgada.»

Apesar destas limitações, o rio continuou durante muito tempo a ser a principal fonte de subsistência.

«Vivíamos exclusivamente da pesca. Nunca houve muita agricultura aqui. Lavávamos a roupa nas margens, passávamos lá os nossos dias. O rio era a vida.

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Estações marcadas pelo rio

Beth evoca com precisão os ritmos climáticos que estruturam a vida das comunidades ribeirinhas do Maranhão. Duas estações predominam: um verão seco, de julho a dezembro, e um inverno chuvoso, de janeiro a julho.

« Durante o inverno, chove abundantemente, o que é bastante bem-vindo. Não é esse período que nos preocupa. Em contrapartida, o verão é mais problemático.»

O ciclo sazonal influencia diretamente o abastecimento de água. Durante muito tempo, os habitantes dependiam exclusivamente do rio para todas as suas atividades domésticas, incluindo água potável. Hoje, poços artesianos e cisternas facilitam o acesso a água de melhor qualidade.

«Agora usamos o poço para tarefas domésticas, como lavar roupa, e bebemos água da cisterna. Antes, comprávamos água quando podíamos.»

Biodiversidade em declínio

Se o rio Mearim era outrora uma fonte inesgotável de peixes e vida, a situação mudou.

«Desde que os arrozais foram implantados na região, os peixes estão a tornar-se cada vez mais raros. Isso preocupa-nos, porque aqui vivemos do rio. É a nossa principal fonte de subsistência.»

A desflorestação dos mangais, realizada principalmente para a fabricação artesanal de andaimes de construção, agrava o fenómeno da erosão. Ao protegerem as margens, as árvores desempenhavam um papel de barreira contra os ataques do rio.

«Quando se cortam as árvores, as margens ficam vulneráveis. Com as marés altas, as ondas batem na costa sem serem travadas, levando a terra consigo.»

Quando o natural se conjuga com o industrial

Beth distingue claramente os fenómenos naturais, como a pororoca, de outros fatores agravantes relacionados com a atividade humana: aquecimento global, escassez de chuvas, incêndios e, sobretudo, poluição agrícola.

«A pororoca sempre existiu, mas está a tornar-se mais devastadora devido ao assoreamento do rio, que é acentuado pela erosão e pela desflorestação.»

Antigamente, a dragagem do leito do rio permitia limitar esse assoreamento. Esse trabalho federal foi interrompido sem explicação. As máquinas ainda estão no local, mas inativas.

«Tememos que o rio em breve não seja mais navegável, que a pororoca desapareça e que fiquemos definitivamente isolados do nosso ambiente.»

O impacto do arroz irrigado e dos pesticidas

Uma grande mudança ecológica foi a chegada de produtores do sul do Brasil, no início dos anos 2000, que implantaram culturas intensivas de arroz irrigado.

« Toda a água utilizada vem do rio. É retirada por bombagem e depois devolvida carregada de pesticidas e produtos tóxicos. Estas substâncias podem contaminar o solo durante séculos. »

Essas práticas afetam gravemente a biodiversidade e a saúde dos habitantes.

«Muitas pessoas sofrem de problemas de pele ou estômago. Não há diagnóstico oficial, mas sabemos que a água está contaminada.»

O professor lamenta a inércia das autoridades públicas. Nenhuma iniciativa foi tomada para avaliar os impactos, apesar dos repetidos alertas.

«Falei com um antigo vereador. Ele respondeu-me que esse veneno matava os parasitas, mas que não havia nada a temer. Esse tipo de resposta é preocupante.»

O silêncio dos habitantes e a ausência de análises

Perante a poluição, instala-se uma forma de impotência coletiva.

« Alguns moradores ficam calados por medo, outros por falta de informação. E as autoridades não fazem nada. No entanto, todos sabem.»

Uma tentativa de análise da qualidade da água foi realizada por uma professora da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Os resultados foram conclusivos: a água do rio era imprópria para consumo, inclusive para uso doméstico.

«Se pudéssemos obter dados científicos rigorosos sobre a toxicidade da água nos pontos de descarga das culturas de arroz, isso poderia desencadear uma reação. São necessárias provas para agir.»

A urgência da educação ambiental

Professora empenhada, Beth defende a educação ambiental desde a mais tenra idade, a fim de sensibilizar os jovens para as questões que os afetam diretamente.

«As escolas já integraram alguns conceitos de ecologia, mas isso ainda é insuficiente. É preciso formar cidadãos conscientes e capazes de defender o seu território.»

Educar os jovens para o seu papel como cidadãos do mundo

Num contexto de crise ecológica e descompromisso institucional, Beth continua motivada por uma convicção firme: formar as gerações mais jovens para se tornarem guardiãs do seu território.

«Levamo-los a ver o rio para lhes mostrar o impacto de cada gesto. Eles têm de compreender que podem fazer a diferença, mesmo com pequenas ações.»

Através do seu trabalho nas escolas da região, ela procura despertar a consciência para as questões ecológicas.

«A água, mesmo que não seja potável, continua a ser preciosa. E hoje, a maré salgada sobe mais alto no rio do que antes. Ela leva consigo os pesticidas lançados a montante, até ao mar.»

Uma luta sem apoio

No entanto, Beth depara-se com um obstáculo: a falta de apoio das autoridades públicas, a falta de recursos e a inércia de alguns atores locais.

«Não sei se estamos a bater às portas erradas ou se é o método que precisa de ser revisto. Mas não temos qualquer apoio.»

Apesar disso, ela recusa-se a desistir. A própria palavra «desistir» está banida do seu vocabulário.

«Digo sempre aos meus alunos: “Desistir é um verbo que nunca devemos conjugar.”

Mesmo quando não funciona, é preciso persistir, dialogar, procurar soluções em conjunto.»

Dialogar com os responsáveis e os poluidores

Beth identifica claramente as responsabilidades das culturas intensivas de arroz implantadas por grandes agricultores vindos de outras regiões.

«Três ou quatro produtores, vindos do sul, causam, sozinhos, enormes danos.»

Ela não os considera inimigos, mas apela ao diálogo para propor alternativas agrícolas respeitadoras do ambiente. Existem métodos menos invasivos, nomeadamente num estado como o Maranhão, abundantemente irrigado.

«Existem soluções. É possível cultivar sem estes pesticidas que matam a terra durante 300 anos. É preciso querer procurá-las e, para isso, é preciso dialogar.»

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A arma pacífica da interdisciplinaridade

Para Beth, a educação deve ser transversal, enraizada na realidade quotidiana dos alunos.

« Eu digo aos meus alunos: vocês podem aprender jogando basquetebol na praça da vila. Mas ao seu lado, o professor de geografia explica-vos o território, o de português ajuda-vos a falar bem, o de ciências ajuda-vos a compreender o vosso corpo. »

Ela defende uma pedagogia ativa e coletiva, que envolva todos os professores num projeto educativo global: tornar o aluno um agente de mudança, e não um mero receptor de conhecimento.

« O que tu deitas no chão não é para o outro apanhar. Tu és responsável. E se compreenderes isso quando és criança, vais transmitir isso aos que te rodeiam. »

Uma pedagogia pelo exemplo

Beth considera que ensinar vai muito além da sala de aula. Ela intervém nas ruas, nas aldeias, junto às crianças e às famílias.

« Eu digo-lhes: esta água que têm na cisterna é uma bênção. Não cai do céu todos os dias. Não a desperdicem. »

Essa relação sagrada com a água — um dom da natureza — estrutura o seu pensamento. O projeto das cisternas, que ela descreve como um trabalho coletivo precioso, é também uma experiência pedagógica: aprender a gerir um recurso raro, a compreender o seu valor.

«Nós somos os guardiões da cisterna. 16 000 litros de água são um tesouro.»

Uma mensagem para as gerações futuras

Para concluir, Beth partilha uma mensagem clara e poderosa, dirigida aos seus alunos e a todos aqueles que a ouvem:

«O planeta é a nossa casa. Existe outra forma de fazer as coisas, mais justa, mais sustentável. E, para isso, é preciso falar. O diálogo é a nossa melhor arma.»

Ela lembra que cada geração tem uma responsabilidade para com a seguinte.

«Temos de deixar a Terra em bom estado para aqueles que virão depois de nós. Se plantarmos sementes saudáveis hoje, elas darão frutos amanhã.»


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