No âmbito da nossa pesquisa sobre formas de transmissão cultural e as relações sensíveis entre os conhecimentos tradicionais e o meio ambiente no Maranhão, encontramos Nadir Cruz, coordenadora do Bumba-meu-boi da Floresta de Mestre Apolônio, localizado no quilombo urbano de Liberdade, em São Luís. Ela fala-nos sobre o bordado como gesto cultural e político, sobre o Bumba-meu-boi como narrativa coletiva mestiça e sobre como essa arte viva permite tecer laços entre gerações, entre povos e entre o ser humano e a natureza.
Uma arte enraizada num território quilombola
Nadir Cruz ancora de imediato o seu trabalho num espaço geográfico, cultural e histórico específico; o quilombo urbano de Liberdade, marcado por uma forte memória afrodescendente, é o berço do seu compromisso com o Bumba-meu-boi, tradição emblemática do Maranhão. Aqui, o bordado não é um simples artesanato, mas uma prática viva que liga a memória de um povo, a espiritualidade e o ambiente.
Um saber-fazer transmitido, partilhado, ampliado
A bordaria utilizada no Bumba-meu-boi segue um estilo codificado e exigente: «Utilizamos a bordaria tradicional do Bumba-meu-boi, ou seja, canutilhos, miçangas, paetês, pérolas sextavadas..»
Este saber-fazer é colocado ao serviço da transmissão: o espaço Bumba-meu-boi oferece workshops sobre a confeção dos trajes e a construção dos elementos do ritual. Este trabalho também se estende para além das celebrações tradicionais:
«Fazemos trabalhos de bordado por encomenda e gostamos sempre de trabalhar em parceria. […] Pode ser decoração, vestuário pessoal, moda ou design ambiental.»
A bordaria torna-se então uma ponte entre a tradição e a inovação, no cruzamento entre a criação contemporânea e a memória coletiva.
Uma cosmologia costurada com fios e pérolas
O Bumba-meu-boi é uma expressão artística complexa, que condensa elementos históricos, sociais e espirituais. Conta o encontro entre três povos fundadores: «No Bumba-meu-boi, contamos a história dos três grupos étnicos: os europeus, os africanos e os indígenas. São os três elementos que compõem o Bumba-meu-boi. »
Esta cosmogonia manifesta-se na bordaria através da representação da natureza, omnipresente:
« Gostamos de ter flores, folhas, pássaros. […] O próprio nome do boi, «da Foresta», que significa «floresta», lembra-nos que existe um espaço para o homem e a natureza viverem juntos em harmonia.»
Em cada peça bordada, uma leitura poética e espiritual do ambiente toma forma: a fauna, a flora, os ciclos da vida e da morte são estilizados, sacralizados.
Uma transmissão geracional e espontânea
Para Nadir, esta tradição perpetua-se de forma orgânica, através da observação e da imitação, muitas vezes desde a infância:
«O mais interessante é que isto se transmite de geração em geração. Começamos pelas crianças, e elas adquirem o hábito de respeitar a natureza.
»
Essa educação informal, inscrita nos gestos e nas narrativas, permite construir uma consciência ecológica:
« As nossas ações, os laços que mantemos como seres humanos com o ambiente em que vivemos, têm consequências, sejam elas positivas ou negativas. »
Ela evoca assim uma forma de ecologia popular, enraizada no sensível, no ritmo do tempo e nas relações entre os seres vivos.
Uma espiritualidade encarnada nas personagens
Algumas personagens do Bumba-meu-boi encarnam essa dimensão espiritual. Nadir cita, em particular, Kazumba, figura ligada à espiritualidade, ou ainda Omolu, associado à terra e aos ciclos da vida:
Ela insiste na presença simbólica dos quatro elementos: ar, água, terra e fogo. Este último ocupa um lugar especial:
« O fogo faz renascer um couro coberto por um pandeiro. […] Se ele reage, é porque não está morto, está vivo. É o respeito pela vida após a morte. »
Reconhecimento artístico e internacional
Em 1994, o grupo Bumba-meu-boi da Floresta foi convidado para o Festival Mundial de Teatro de Marionetes em Charleville-Mézières, na França:
«Fomos com 30 pessoas. […] Esses personagens fizeram um grande sucesso. Tivemos a oportunidade de mostrar a dança, as roupas que usamos, incluindo os bordados.»
Essa experiência de 15 dias foi marcante para o coletivo:
«Foi uma grande experiência de aprendizagem, porque existem outros costumes, outras formas de viver. […]»
Testemunhos do mesmo painel