Villes flottantes

Entrevista com Thiago Fonseca, artista plástico

No âmbito do nosso projeto de recolha de relatos artísticos e sensíveis sobre as ligações entre natureza, memória e transmissão, encontrámos Thiago Fonseca, artista plástico e professor radicado há mais de uma década no Maranhão. Natural do Rio de Janeiro, o seu trabalho tem raízes nas culturas populares das periferias urbanas, nas tradições afro-amerindas e no imaginário da encantaria, próprio dos territórios do nordeste brasileiro. Através de uma obra polimórfica, alimentada por arquivos, gestos rituais e narrativas transmitidas oralmente, Thiago explora os poderes do invisível, a herança das lutas negras e indígenas e a memória dos corpos.

Uma trajetória insular e iniciática

Thiago apresenta-se, em primeiro lugar, como um habitante das ilhas. Nascido no Rio de Janeiro, ele vem do Morro do Guarabu, na Ilha do Governador.

Estabelecido em São Luís, Thiago vive há catorze anos neste estado marcado por uma profunda tradição afro-indígena. Formado em artes visuais pelo Instituto Federal do Maranhão, reivindica uma abordagem artística baseada na memória coletiva, nas práticas populares e na escuta atenta das narrativas invisíveis.

Os arquivos sensíveis da cultura popular

Na encruzilhada entre a escultura, a pintura e a performance, Thiago desenvolve uma obra composta. As suas referências são múltiplas: os mestres bordadeiros, os carnavais do Rio, as figuras mascaradas do Bumba-meu-boi, as vozes dos careteiros, mas também as leituras e pesquisas pessoais. «As minhas referências vêm tanto dessas experiências, como também de arquivos, pesquisas, interesses diversos pela pintura, escultura e atividades populares, como as dos mestres careteiros e outros artesãos, bordadores.»

A encantaria: uma memória viva dos territórios

No centro do seu trabalho está a noção de encantaria, essencial nas cosmologias afro-ameríndias do norte do Brasil. Ela designa uma realidade paralela, animada por espíritos, antepassados, forças naturais, muitas vezes encarnados por figuras híbridas ou invisíveis.

Thiago explica:

«Para mim, o encantamento é fundamentalmente aquilo que não podemos explicar, vivemos, fazemos parte e respeitamos, porque é mais antigo.»

Esta relação com o sagrado é indissociável da defesa dos territórios. Ele lembra que a encantaria está particularmente enraizada nas regiões do Grão-Pará, que incluem Maranhão, Piauí e Pará. Esses territórios foram marcados pela história colonial, pela violência contra os povos indígenas e os africanos escravizados. O encantamento é uma forma de resistência, transmissão e memória.

Figuras femininas e ancestrais da água

A água, o mar e os rios estão onipresentes na sua obra. Ele evoca figuras míticas femininas, como Iara, Kazumba ou ainda Dona Maria do Rosário, uma entidade feminina muito presente nos terreiros e nos contos populares do Maranhão. «São figuras muito próximas de mim, que me protegem, que me falam e que me mostram um caminho.»

Thiago insiste na necessidade de preservar as zonas húmidas, as fontes, as florestas, mas também as histórias que lhes estão ligadas. O cuidado com a natureza anda de mãos dadas com o cuidado com a memória e a espiritualidade. Através do bordado, da pintura ou da palavra, trata-se de « fazer aparecer o que foi apagado », de restaurar a visibilidade das existências marginalizadas ou invisíveis.

Uma estética da reparação

O seu gesto artístico insere-se numa vontade de reparação e reconhecimento das culturas marginalizadas. Longe de uma museificação da cultura popular, ele defende uma abordagem viva, encarnada, relacional.

« O que me interessa é o que chamamos de “cultura popular”. São pessoas vivas, com seus modos de andar, falar, bordar, dançar e também chorar. »

Num contexto de ameaças ambientais e violência territorial, Thiago Fonseca defende uma prática artística empenhada, poética e profundamente política, ao serviço da memória, da justiça e da vida partilhada.


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