Num mundo confrontado com emergências ecológicas e perturbações sistémicas, Villes flottantes afirma-se como uma obra profundamente empenhada. Na encruzilhada das linguagens artísticas, este projeto liderado por Elsa Mroziewicz e Cécile Palusinski questiona a ligação entre o ser humano e o oceano.
Cada cidade flutuante imaginada inspira-se em iniciativas concretas para responder aos desafios ambientais, provenientes de contextos culturais e geográficos variados. Villes flottantes dá forma e voz a essas alternativas por meio de uma estética imersiva, onde a realidade aumentada e a poesia sonora se complementam, tecendo correspondências entre si para melhor transmitir, despertar e conectar.
Aqui, nada é abstrato ou teórico: a obra está enraizada nos territórios percorridos, nos gestos observados, nas histórias recolhidas ao longo de residências artísticas realizadas em Taiwan, Índia, Tunísia, Marrocos, Brasil, Estados Unidos e França. Cada quadro torna-se assim um fragmento do mundo, habitado por vozes, memórias e soluções enraizadas na experiência vivida.
É uma arte da ligação que se desenvolve: ligação entre conhecimentos antigos, através da bordaria, e tecnologias contemporâneas, entre dados científicos e narrativa poética, entre o político e o sensível. Graças à aplicação móvel Under The Starry Vault, o espectador é convidado a animar as imagens, a ouvir os haikus sonoros e os diários de bordo em áudio. Deixa então de ser um simples visitante para se tornar um transmissor de histórias, ativando uma memória viva onde ressoam as vozes do mundo.
Além do dispositivo interativo, é também uma reflexão sutil sobre o tempo que atravessa toda a obra.. O tempo quase instantâneo do digital entra em tensão com o tempo longo da bordaria. Realizadas com coletivos de bordadeiras do Brasil (Bumba Meu Boi da Floresta de Mestre Apolônio, São Luís) e da Índia (Kalhath Institute, Lucknow), essas bordarias dão corpo ao invisível, às correntes, aos corais, aos seres das profundezas.
Ao optar por unir tecnologia e artesanato, velocidade e lentidão, Villes flottantes constrói um espaço de escuta e contemplação, onde o reencantamento do mundo se torna possível. – não como um regresso ao passado, mas como um movimento em direção a um futuro habitável, moldado pela imaginação e pelo compromisso com a vida.