Nesta entrevista, Anne Justino, pós-doutoranda da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) no Brasil, fala sobre sua trajetória de pesquisa centrada na contaminação por microplásticos em ecossistemas marinhos. Através de seus trabalhos realizados no âmbito do projeto LMI Tapioca – um laboratório de pesquisa franco-brasileiro em parceria com o Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD) –, ela destaca a preocupante presença de partículas plásticas nos tecidos musculares de peixes consumidos pelo homem, como o atum. Assim, ela alerta para as possíveis consequências para a saúde dessa poluição invisível.
Contaminação generalizada e pesquisas inéditas
Anne Justino conduz suas pesquisas no âmbito do projeto LMI Tapioca, que reúne pesquisadores brasileiros e franceses para analisar a presença de microplásticos nos ecossistemas marinhos do nordeste do Brasil. Este programa de pesquisa abrange diversas áreas: ambientes costeiros, estuarinos e até mesmo as profundezas oceânicas.
“Encontramos muita contaminação em todas as áreas que estudamos, incluindo em ambientes oceânicos profundos.”
Espécies como os cefalópodes ou certos peixes mesopelágicos apresentam níveis de contaminação particularmente elevados, o que revela a amplitude do fenômeno até mesmo nas áreas menos acessíveis.
O papel do nível trófico na acumulação de microplásticos
A análise das cadeias alimentares permitiu à pesquisadora identificar um fator importante de agravamento: o nível trófico das espécies.
“Se um atum se alimenta de sardinhas contaminadas, seu estômago conterá muito mais microplásticos do que o das próprias sardinhas. ”
Esse fenômeno de acúmulo é explicado pelo consumo sucessivo de organismos que já carregam partículas plásticas, aumentando a exposição dos peixes predadores.
Microplásticos até nos tecidos musculares
A particularidade das pesquisas de Anne Justino reside na identificação de partículas plásticas não apenas no sistema digestivo, mas também nos tecidos musculares dos peixes — especialmente aqueles consumidos pelo homem, como o atum.
“Já identificamos polímeros plásticos nos tecidos musculares de atuns. ”
Essas análises, realizadas em colaboração com laboratórios noruegueses, utilizam técnicas de cromatografia para isolar e identificar os polímeros presentes nas amostras biológicas.
Um impacto documentado nos peixes, mas incerto nos seres humanos
Embora os efeitos nocivos dos microplásticos na fauna marinha já tenham sido documentados (distúrbios fisiológicos, desequilíbrios de flutuação, etc.), seu impacto na saúde humana ainda precisa ser demonstrado.
“Sabemos que os peixes sofrem com os microplásticos, mas para os seres humanos, isso ainda é um mistério.”
A ausência de pesquisas longitudinais em humanos dificulta o estabelecimento de uma ligação clara entre a ingestão de peixes contaminados e efeitos mensuráveis na saúde. Por outro lado, estudos em pequenas espécies animais mostram alterações biológicas significativas.
Uma pesquisa ainda recente, mas urgente
Com apenas duas décadas de retrospectiva, a pesquisa sobre microplásticos ainda está em seus estágios iniciais. Mas os resultados disponíveis são suficientes para alertar sobre uma poluição persistente e onipresente, que requer uma resposta coletiva urgente.
“Vinte anos de pesquisa não é muito. Mas já sabemos que o plástico está em toda parte.”
A fragmentação do plástico: um desafio ambiental persistente
Anne Justino lembra que os microplásticos são frequentemente resultantes da degradação de plásticos de maior tamanho. Estes últimos, sujeitos às intempéries e à erosão natural, fragmentam-se progressivamente até se tornarem invisíveis a olho nu, mantendo o seu impacto ecológico.
“O que acontece é que o plástico se torna cada vez mais pequeno, sem nunca desaparecer realmente.”
”
Essas partículas, presentes tanto no fundo do mar quanto no ar ambiente, se acumulam e escapam a qualquer forma de tratamento convencional.
Tratamentos e limites tecnológicos
Na Europa, algumas cidades começaram a implementar sistemas de filtragem em estações de tratamento de água para reter as partículas plásticas antes que elas cheguem aos rios e oceanos.
Isso ainda não é o caso no Brasil, onde esses dispositivos continuam sendo muito raros. “Aqui no Brasil, ainda estamos no início. Apenas algumas cidades instalaram grades para bloquear os plásticos maiores.
”
Barreiras simples, como grades, às vezes são instaladas, mas sua eficácia ainda é limitada.
Soluções biotecnológicas promissoras, mas ainda experimentais
A pesquisa atualmente explora caminhos promissores, incluindo o uso de enzimas capazes de degradar certos polímeros plásticos. Essas enzimas, estudadas principalmente por equipes japonesas, só podem ser usadas em ambientes rigorosamente controlados.
“Essas enzimas não podem ser liberadas na natureza: elas devem ser utilizadas em centros especializados para evitar danos aos ecossistemas.”
Sua aplicação direta no mar está, por enquanto, excluída, devido ao seu potencial impacto sobre a biodiversidade marinha.
Rumo a uma redução na fonte: prevenção e legislação
Para Anne Justino, a verdadeira solução reside a montante, na redução do uso do plástico e na implementação de legislações restritivas. Ela menciona a proibição de plásticos descartáveis, como canudos ou copos descartáveis, já em vigor em algumas regiões.
“Precisamos repensar nossos padrões de consumo, pois a reciclagem não será suficiente para compensar a produção atual de plástico.”
Uma legislação mais ambiciosa e uma mudança profunda nos hábitos de consumo parecem indispensáveis.
A educação, motor da mudança
A pesquisadora insiste no papel fundamental da educação na luta contra a poluição por plástico. Ao explicar as consequências do uso excessivo do plástico, ela espera despertar a consciência desde a mais tenra idade.
“
Quando explicamos por que não é bom usar tanto plástico, as pessoas entendem e mudam seus hábitos.”
Ela defende uma educação não moralizante, mas baseada na transmissão de informações concretas e cientificamente comprovadas.
Devolver a ciência às comunidades locais
Anne Justino dá especial importância à transmissão de conhecimentos científicos às populações diretamente afetadas, especialmente às comunidades de pescadores. Ela organiza regularmente intercâmbios para sensibilizá-las sobre os impactos da poluição em seu ambiente imediato.
“Vamos ao encontro das comunidades para transmitir o que descobrimos na universidade. É juntos que podemos mudar as coisas.”
Essa abordagem participativa visa reforçar a resiliência dos territórios costeiros, valorizando ao mesmo tempo o papel ativo das populações locais na preservação dos oceanos.
Observação: a pesquisa sobre polímeros plásticos no tecido muscular do atum ainda está sendo avaliada pelos autores e será em breve submetida para publicação em uma revista científica.
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